sexta-feira, 24 de abril de 2015

O que Toca à Psicologia Escolar – Maria Cristina Machado Kupfer

    Seria possível uma junção entre Psicologia Escolar e Psicanálise? Essa é a temática principal do texto de Maria Cristina Machado Kupfer, que se encontra no livro Psicologia Escolar: em Busca de Novos Rumos.
Como área de atuação em constante transformação, a Psicologia Escolar procura sempre definir sua identidade: Qual é o papel do psicólogo escolar?
    Nessa busca o psicólogo encontrou a Psicanálise. “A Psicanálise era vista como uma prática não ideológica, e o que se pretendia, com a Psicanálise era transformá-la em um auxiliar, na luta pela transformação social: um homem mais equilibrado teria mais condições para lutar por ela” (p.53). Porém, em meio a empasses e choques de opiniões sobre a utilização da Psicanálise na Escola, destacou-se uma justificativa: “se a Psicanálise não se importa com os determinantes sociais, é porque ela está operando com o sujeito do inconsciente, e não com o eu do sujeito.” Dessa forma, “o eu é constituído por identificações, e se molda a papéis sociais, se encaixa em tipos psicológicos, varia com as condições históricas. Para a Psicanálise, todo trabalho psicológico, seja ele realizado em uma psicoterapia individual, seja ele em uma instituição, tem como alvo esse eu, e não o sujeito do inconsciente. Mas é preciso não esquecer que esse eu não se confunde com o eu do cogito, da consciência. Ele possui partes inconscientes, e é basicamente uma instância de defesa, o que o toma ‘cego’.” (p.54).
    A Psicanálise, porém, coloca um limite claro quanto a suas possibilidades fora dos consultórios: não se pode criar métodos pedagógicos inspirados por ela, e não tem os mesmos objetivos de qualquer trabalho institucional.


O “Espaço Psi” na escola

    Primeiramente, a Psicanálise em que se deve basear não é a das fases psicossexuais do desenvolvimento, nem a que aponta as motivações inconscientes para o comportamento. “A partir do ensino de Jacques Lacan (1901-1981), psicanalista francês, alguns parâmetros passam a dirigir de modo mais preciso o trabalho do analista. O discurso – e não o comportamento – é o alvo da análise, e uma vez que o inconsciente se estrutura como uma linguagem, o analista estará operando com as leis de funcionamento da linguagem, e extraindo delas a eficácia de sua ação.” (p.55)
Aliás, toda a instituição está estruturada como uma linguagem, sujeita às leis de funcionamento da linguagem, podendo-se ler os discursos que ali se apresentam como se lê o discurso de um sujeito em análise.
    Nessa leitura psicanalítica, o fracasso escolar aparece como um processo de fixação das crianças em estereotipias. Resultado de uma falta de circulação discursiva, já que os discursos institucionais tendem a produzir repetições, preservando o igual e garantindo a sua permanência, cristalizando-o. E vez ou outra emergem falas de sujeitos que buscam fazer rachaduras no que está cristalizado. “É exatamente como ‘auxiliar de produção’ de tais emergências que um psicólogo pode encontrar seu lugar: eis o que pode propor uma Psicologia na escola que opere com parâmetros da Psicanálise.” (p.55)
    “A falta de circulação discursiva é o início do fim de uma instituição, já que, não podendo jamais ficar parada, não lhe sobrará outra alternativa a não ser recuar, e iniciar a sua atrofia. Independentemente dos alvos a que se propõe essa instituição, eles não serão atingidos.” (p.56) Quando há circulação de discursos há participação e, consequentemente, responsabilização pelo que fazem ou dizem, beneficiando-se dos efeitos de verdade e de transformação que surgem quando há espaço para falas singulares.

Parâmetros do “Espaço Psi”

1) O objetivo é abrir um espaço para a circulação de discursos;
2) O psicólogo terá autorização para intervir quando estiver criada a transferência, seu principal instrumento de ação;
3) O psicólogo não recusará nem atenderá a demanda, ele escutará a instituição (escuta psicanalítica);
4) Seu trabalho está na interseção da psicologia e pedagogia;
5) Sua ética é dirigir os trabalhos mas não as pessoas. Não faz uso político do poder que lhe confere a transferência

    Para o sucesso deste psicólogo é preciso posicioná-lo em posição privilegiada frente a instituição para que ele possa “recolocar” a palavra através do discurso indireto e não participação ativa. É a escuta ativa dos relatos. Esta transferência de discurso é rica em detalhes como estigmatização, preconceitos e expectativas. E um psicólogo que se baseia nessa leitura poderá assim, propor-se a criar condições para a produção de mudanças.
    “O trabalho do psicólogo cria na escola um espaço que não existe concretamente, que não é nem a sala de aula, nem a sala da diretora. Nem o pátio de recreio. Trata-se de um espaço montado, de um recorte a partir de todos os espaços da escola. É um novo espaço que se cria quando se entra na escola.” (p.59) São as transferências e as falas encadeadas que vão construindo o campo psi em que circulará o psicólogo.
    A mudança, aparentemente simples, vai além de um descolamento da psicometria, das recomendações, de um processo de orientação que ultrapassa os laudos repletos de resultados e prognósticos. Na verdade, uma junção entre a psicologia escolar e a psicanálise necessita antes de tudo, ser cuidadosamente articulada, com as precauções necessárias para um enriquecimento dos dois campos, até mesmo porque há diferenças entre os objetos de interesse, as finalidades, os procedimentos, os operadores e, principalmente, quanto aos sujeitos que demandam por esses saberes.