quinta-feira, 17 de julho de 2014

O importante é não ficar sozinho


"Numa sociedade como esta, não se pode criar nada de novo a não ser com a vida: não há estrutura, nem organização ou iniciativa que permanece. É só uma vida diferente e nova que pode revolucionar estruturas, iniciativas, relações, tudo, enfim. E a vida é minha, irredutivelmente minha." «Movimento, “regola” di libertà», O. Grassi (org.), Litterae Communionis CL, No- vembro de 1978, p. 44.

Sexta-feira, primeiro horário do noturno. Salão de Peteca no Campus Dom Bosco da UFSJ.
Estar disponível ao outro. Reconhecer que, por vezes, não damos conta e quase nada do que planejamos saiu do modo como queríamos. Mas não usar isso como critério último. A alegria e plenitude é que devem ser os critérios.
Frases marcantes como essas, ditas por dois professores de escolas públicas da cidade de Belo Horizonte. Com 14 anos de experiência, poderíamos esperar olhares cansados, análises frias e desânimo. Mas não foi nada disso!
Após se apresentarem e contarem sobre suas trajetórias acadêmicas – ambos fizeram Letras (Português e Literatura) na UFMG – os professores Marcelo e Viviane relataram um pouco sobre algumas de suas experiências enquanto educadores.
Para Viviane “o começo não foi fácil, eu comecei a trabalhar antes mesmo de terminar a graduação. Fui parar em uma escola muito longe, que me exigia muito fisicamente e, além disso, me deram as turmas mais difíceis.” Que outro jeito? “se antes mesmo de concluirmos a graduação já estamos com a mão na massa; trabalhando pra valer. Depois, na maioria das escolas ocorre de oferecerem para os novatos as turmas mais exigentes. Por vezes com a condescendência da direção da escola!” Mas era para ser justamente o contrário...que as turmas mais difíceis, cujas habilidades e conhecimentos dos professores mais experientes pudessem fazer diferença, fossem designadas para os mais velhos de casa.
Ambos possuem uma rotina típica de professores de escolas públicas. Acordam bem cedo, dividem o dia entre uma ou duas escolas, lecionam muitas aulas, chegam em casa e, além das atividades domésticas, têm de preparar as próximas atividades ou corrigir tarefas dos seus alunos.
Presentes ao Salão de Peteca (sala 2.48), professores e alunos das licenciaturas de Matemática, Filosofia e Biologia. O professor Fábio de Barros Silva (Filosofia), quiz saber a opinião dos palestrantes sobre o programa “Escola Plural”. Viviane ensaia uma resposta: “Acho que foi uma coisa boa. Quando eu cheguei já estava em processo, quase terminando. Logo percebi que era uma tentativa de mudar o foco do professor para o aluno. O professor não tinha mais tanto poder. Acho que isso incomodou a muitos.” Complementando a resposta, prof. Marcelo nos fez pensar ainda sobre outros aspectos: “Penso que foi uma oportunidade para muitos professores que queriam inovar. Tinha muito apoio, infraestrutura. Para aqueles que estavam vivos, que desejavam ser legítimos educadores. Mas para os que já estavam meio “mortos”, acho que foi um balde de água fria!” Em um outro momento do encontro, a licencianda em Ciências Biológicas da UFSJ, Joyce Gonçalves, 21, indaga aos palestrantes e ouvintes presentes possíveis atitudes a se ter quando nós [professores] nos deparamos com turmas de jovens inquietos, provocadores e desafiantes? Além disso, a licencianda levanta experiências próprias como professora designada e elucida a dificuldade em se lecionar com pouca experiência e com idade próxima a dos alunos (no caso de professores recém-formados). Enfim, como suportar e superar o estilo desafiante e provocador dos alunos? Um receio extremamente comum para os que se iniciam na carreira. Mas será que se sustenta em situações reais, cotidianas, tal medo? Ou ele se alimentaria de nossas inseguranças e representações sobre o comportamento juvenil derivado de nossas próprias experiências? “Mesmo que alguns deles queiram te desafiar, ou promover uma bagunça que atormente teu planejamento, isso talvez possa significar que para ele você não é indiferente. Não deu de ombros, entende? Podemos ter ai um início de relacionamento já que ele preferiu se manifestar livre e espontaneamente na sua disciplina”, refletiu Marcelo. E, para encerrar, ele completa: “é preciso deixar-se incomodar. Não esperar que a realidade venha pronta. Ou só se mexer quando a realidade lhe parecer favorável. Por vezes, é preciso trabalhar com quem está disposto. Mesmo que não seja aquela pessoa que você mais goste.
Pequenos retalhos de uma conversa com dois educadores vivos, que vão a fundo na irredutibilidade da vida, tal como nos faz perceber O. Grassi (1978)!