"Numa sociedade como esta, não se pode criar nada
de novo a não ser com a vida: não há estrutura, nem organização
ou iniciativa que permanece. É só uma vida diferente e nova que
pode revolucionar estruturas, iniciativas, relações, tudo, enfim. E
a vida é minha, irredutivelmente minha." «Movimento, “regola”
di libertà», O. Grassi (org.), Litterae Communionis CL, No- vembro
de 1978, p. 44.
Sexta-feira,
primeiro horário do noturno. Salão de Peteca no Campus Dom Bosco da
UFSJ.
“Estar
disponível ao outro. Reconhecer que, por vezes, não damos conta e
quase nada do que planejamos saiu do modo como queríamos. Mas não
usar isso como critério último. A alegria e plenitude é que devem
ser os critérios.”
Frases
marcantes como essas, ditas por dois professores de escolas públicas
da cidade de Belo Horizonte. Com 14 anos de experiência, poderíamos
esperar olhares cansados, análises frias e desânimo. Mas não foi
nada disso!
Após se
apresentarem e contarem sobre suas trajetórias acadêmicas – ambos
fizeram Letras (Português e Literatura) na UFMG – os professores
Marcelo e Viviane relataram um pouco sobre algumas de suas
experiências enquanto educadores.
Para
Viviane “o começo não foi fácil, eu comecei a trabalhar
antes mesmo de terminar a graduação. Fui parar em uma escola muito
longe, que me exigia muito fisicamente e, além disso, me deram as
turmas mais difíceis.” Que outro jeito? “se antes mesmo
de concluirmos a graduação já estamos com a mão na massa;
trabalhando pra valer. Depois, na maioria das escolas ocorre de
oferecerem para os novatos as turmas mais exigentes. Por vezes com a
condescendência da direção da escola!” Mas era para ser
justamente o contrário...que as turmas mais difíceis, cujas
habilidades e conhecimentos dos professores mais experientes pudessem
fazer diferença, fossem designadas para os mais velhos de casa.
Ambos
possuem uma rotina típica de professores de escolas públicas.
Acordam bem cedo, dividem o dia entre uma ou duas escolas, lecionam
muitas aulas, chegam em casa e, além das atividades domésticas, têm
de preparar as próximas atividades ou corrigir tarefas dos seus
alunos.
Presentes
ao Salão de Peteca (sala 2.48), professores e alunos das
licenciaturas de Matemática, Filosofia e Biologia. O professor Fábio
de Barros Silva (Filosofia), quiz saber a opinião dos palestrantes
sobre o programa “Escola Plural”. Viviane ensaia uma resposta:
“Acho que foi uma coisa boa. Quando eu cheguei já estava em
processo, quase terminando. Logo percebi que era uma tentativa de
mudar o foco do professor para o aluno. O professor não tinha mais
tanto poder. Acho que isso incomodou a muitos.” Complementando
a resposta, prof. Marcelo nos fez pensar ainda sobre outros aspectos:
“Penso que foi uma oportunidade para muitos professores que
queriam inovar. Tinha muito apoio, infraestrutura. Para aqueles que
estavam vivos, que desejavam ser legítimos educadores. Mas para os
que já estavam meio “mortos”, acho que foi um balde de água
fria!” Em um outro momento do encontro, a
licencianda em Ciências Biológicas da UFSJ, Joyce Gonçalves, 21,
indaga aos palestrantes e ouvintes presentes possíveis atitudes a se
ter quando nós [professores] nos deparamos com turmas de jovens
inquietos, provocadores e desafiantes? Além disso, a licencianda
levanta experiências próprias como professora designada e elucida a
dificuldade em se lecionar com pouca experiência e com idade próxima
a dos alunos (no caso de professores recém-formados). Enfim,
como suportar e superar o estilo desafiante e provocador dos alunos?
Um receio extremamente comum para os que se iniciam na carreira. Mas
será que se sustenta em situações reais, cotidianas, tal medo? Ou
ele se alimentaria de nossas inseguranças e representações sobre o
comportamento juvenil derivado de nossas próprias experiências?
“Mesmo que alguns deles queiram te desafiar, ou promover uma
bagunça que atormente teu planejamento, isso talvez possa significar
que para ele você não é indiferente. Não deu de ombros, entende?
Podemos ter ai um início de relacionamento já que ele preferiu se
manifestar livre e espontaneamente na sua disciplina”, refletiu
Marcelo. E, para encerrar, ele completa: “é preciso deixar-se
incomodar. Não esperar que a realidade venha pronta. Ou só se mexer
quando a realidade lhe parecer favorável. Por vezes, é preciso
trabalhar com quem está disposto. Mesmo que não seja aquela pessoa
que você mais goste.”
Pequenos
retalhos de uma conversa com dois educadores vivos, que vão a fundo
na irredutibilidade da vida, tal como nos faz perceber O. Grassi
(1978)!